ESTADO DE MINAS (ONLINE) – Tramas decorativas
27/09/2019Longe da moda, Regina Misk adota o mercado de decoração e amplia o leque de produtos da sua marca, gerindo processo de comercialização
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Foi após um período sabático na Europa que a carreira de Regina Misk se redefiniu. Ex-proprietária de marca de moda, estilista conceituada em Belo Horizonte, já há algum tempo ela flertava com uma outra área do design: a decoração. E assim que chegou da viagem, que durou cerca de cinco meses, estava decidida a experimentar o segmento como sua atividade principal.
A paixão pelas tramas e suas derivações, como o tricô, o crochê, o macramê, e por tudo que envolve fios, laços e pontos fi- zeram com que ela abrisse uma confecção, em 1986, e depois lojas especializadas em tricô que marcaram época na moda mineira. Na sequência, desgostosa com os rumos que o comércio fashion estava tomando, decidiu fechar a pronta-entrega que mantinha no Bairro Prado para prestar serviços de estilo para o mercado.
Em um balanço geral, Regina considera que foi uma experiência muito rica e de muito aprendizado em sua carreira. “Aprendi a obedecer a parâmetros e diretrizes de outras empresas, consegui me encaixar, e fiz um bom trabalho tanto na D’Viller quanto na Patogê, empresas grandes, apresentando bons resultados para as duas. Porém, com o tempo, não sentia mais aquele gostinho da criação que tinha quando comecei a minha própria marca. Acho que a gente vai se desvirtuando e sai do caminho do coração, que é fazer alguma coisa autêntica, diferente. Como não estava mais feliz, resolvi parar com a moda”, explica.
Paralelamente ao fashion e guiada pelo encantamento pelas tramas, Regina já havia iniciado um outro caminho: começou a criar peças decorativas, pequenos móveis, envolvendo as técnicas artesanais que ela aprendeu entre menina e adolescente. O tricô foi ensinado pela mãe; o crochê por uma senhora portuguesa que morou com a família bastante tempo. No colégio de freiras onde estudou, tinha aulas de trabalhos manuais e teve o primeiro contato com os bordados. “Sempre gostei dos fios, dos têxteis, das tecelagens, isso significa muito para mim. E sempre fui meio autodidata, comprava coleções de livros sobre o assunto nas livrarias. Por exemplo, aprendi a fazer macramê sozinha. Lembro-me de que, no Natal seguinte, fiz presentes em macramê para toda a família”.
Mas a entrada no mercado da decoração aconteceu, sobretudo, porque a designer percebeu que havia uma valorização do design autoral no segmento. “Notei que havia uma porta aberta nessa área e fui bem acolhida. Senti que ela me possibilitaria realizar um trabalho forte de criação, como eu queria, artesanal, já que quase tudo que faço é feito a mão, e com design que é o que dá a cara contemporânea e inovadora ao produto”.
Nesse caminho de volta às origens, na primeira incursão pelo mobiliário, Regina elegeu os bancos, banquetas, cadeiras e poltronas vintage. Comprava os móveis em antiquários, restaurava e os revestia em tricô imprimindo-lhes nova roupagem. O trabalho precioso teve boa aceitação no mercado pela originalidade e beleza. “Era uma repaginação. Essa fase durou pouco, porque percebi logo que tinha de ter outra peça para repetir e atender ao desejo das pessoas. Elas viam uma peça no Instagram e queriam em outra cor, ou um par, por exemplo. Foi nessa etapa, que comecei a desenhar e fabricar, o que mudou tudo”, ela conta.
Sabático A viagem para a Europa foi um divisor de águas na vida da designer. Entre deixar a moda de lado para investir na decoração, ela sentiu que tinha de passar por uma reciclagem, aprender novas coisas, experimentar outras. “Fez parte da minha busca de conhecimento e de fonte de inspiração”, afirma. Durante os meses que passou por lá, aproveitou para frequentar diversos cursos livres e variados, passando pela tapeçaria, tecelagem, estofamento de móveis. Teve aulas de tricô e crochês para conferir técnicas diferentes ou o modo como eram ensinadas pelas professoras. “Na Inglaterra, fiz design furniture, na Central Saint Martins, e foi ótimo frequentar uma escola semanalmente e conviver naquele ambiente. Fiz ainda aulas de tingimento da lã em todos os seus processos. Vivi muitas coisas interessantes e tudo isso foi se somando e voltei cheia de ideias e inspirada para recomeçar meu negócio de uma forma mais profissional, porque, até então, eu estava nisso só como hobby”.
Um desafio que tem valido a pena. Atualmente, a linha de produtos da Regina Misk inclui vários itens, entre eles mantas, almofadas, cestarias de diversas formas e tamanhos, jogos americanos, fruteiras, além dos bancos, banquetas, cadeiras e poltronas do início. “Há cerca de três anos, lancei as correntes, que aparecem em várias versões e formas – pequenas, grandes, gigantes, coloridas ou natural, com elo de madeira ou sem. São muito decorativas e estão fazendo sucesso. Lancei também os cestos em tamanho máxi revestidos por fios/faixas, um design que está agradando demais”, garante.
Desde que decidiu dedicar 100% do seu tempo à decoração, o trabalho cresceu e está se espalhando pelo país por meio de várias formas de comercialização, incluindo desde o cliente que compra por meio do seu site (www.reginamisk.com) e do site Boobam (www.boobam.com.br), que reúne centenas de designers talentosos espalhados pelo Brasil, até a venda direta ao consumidor final. “As vendas aumentaram consideravelmente. Atendo tanto aquela pessoa que entra no Instagram, faz contato e compra diretamente de mim, quanto o lojista”.
As feiras voltadas para o segmento têm ajudado a divulgar a marca junto às lojas em todo o Brasil. A Regina Misk já participou da Paralela Design e, agora, está na Abup – Home & Gift – ambas em São Paulo – integrando o Projeto Célula, que tem curadoria de Cris Rosembaum e Marcus Quinhentos. “No meu relacionamento com o lojista, tenho percebido que ele tem entendido o motivo de uma peça artesanal, com design autoral, produção limitada, custar mais cara.”
Segundo a designer, não é passível comparação entre o trabalho que realiza e o mercado tradicional. “Acho que a gente anda paralelo, não se cruza, as lojas que apreciam o que proponho têm apelos diferentes. A minha competição é mesmo com outros designers que estão no mesmo segmento”.
Em Belo Horizonte, a produção pode ser encontrada na Movelaria Olga e na Tom sobre Tom. Está também na loja do Inhotim.“Como são criações exclusivas, não dá para abrir muito o mercado. Mas as peças estão em várias cidades, como São Paulo e interior, Goiânia, Fortaleza, Natal, Curitiba, Porto Alegre e Balneário Camboriu, entre outras”.
Em casa O quartel-general de Regina é sua ampla casa, na região da Pampulha. Lá funciona o ateliê, a administração e expedição. “Como não tenho mais movimentação familiar, ela tem me servido como base. Tudo é terceirizado. Tenho parceria com um serralheiro e com dois núcleos de marcenaria, que executam os meus desenhos. Cada peça é feita no seu núcleo e repassada para os artesãos. As crocheteiras, tricoteiras e tecelãs as levam para seus espaços de trabalho. Quando retornam, elas passam por acabamento e são distribuídas.”
Muitas dessas pessoas trabalham com a designer há cerca de 30 anos, desde que ela começou sua carreira na moda. “Acredito que a sustentabilidade passa pela própria equipe, pela oportunidade de oferecer renda a este grupo familiar, que está comigo há tanto tempo, e de manter vínculo com ele”, observa.
Na filosofia sustentável, ela cita também o cuidado com o aproveitamento. “Os móveis são recheados com resíduos que sobram da produção, assim como aproveito a madeira usada na marcenaria. Nesta última coleção, que levei para a feira, criei uma fruteira e aproveitei os toquinhos que sobravam para fazer os pés. Faço também argolas com material que iria para o lixo. Do lado comercial, tenho tentado dar suporte para quem compra os meus produtos para que eles possam ter êxito nas vendas e voltar a comprar novamente na minha mão.”
Regina gosta de flertar com os anos 1950/1960 em seu design. E a inspiração é sempre o Brasil: indígenas e cestarias estão em voga nas criações. Além da criatividade impressa no seu trabalho, destacam-se o bom gosto, a pujança e a beleza de pontos, a força do tear, a combinação de cores, a técnica apurada. A pesquisa efetuada nesse quesito é grande e constante. Quanto às matérias-primas, ela adora inovar. “O leque não é tão grande, elas não são tão diversas, mas com o mesmo material posso fazer várias coisas diferentes. Gosto de experimentações, vejo algo no formato de um fio e já quero ver se aquilo vai dar para tecer, para tramar, para jogar no tear”.
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FONTE: bit.ly/2nVmCHP